segunda-feira, 7 de maio de 2012

Primeiro monólogo com deus - estendido

Quer dizer que você cria uma lésbica e se ela não for contra sua própria natureza de gostar de mulheres e não se casar com um homem, como manda a sua lei, ela vai sofrer uma eternidade inteira por isso? Quer dizer que é tudo uma porra de um jogo, onde quem se limita e se castra mais é o bom humano, que tem direito a ficar diante da sua maravilhosa presença para todo o sempre? Pois eu vou te dizer uma coisa: durante toda a minha vida eu tive medo da eternidade. Medo de que a minha consciência se estendesse por mais e mais anos além dos que já passei me fodendo lá na Terra. O que você faz é cruel! Você coloca os humanos na Terra para testá-los. Somos seus experimentos anti-científicos! Sim, ANTI-CIENTÍFICOS!

Pois eu duvido muito que você tenha aprendido alguma lição de como se tornar uma entidade melhor e de como nos fazer sofrer menos lá embaixo. Se seus testes com humanos tivessem um bom propósito, a segunda geração de homens seria melhor que a primeira, a terceira melhor que a segunda, e assim por diante. Pois você deve estar cansado de saber, vendo tudo de cima como faz, que quem nasce, cresce e vive em um ambiente violento e cruel tem uma imensa chance de se tornar um criminoso ou um déspota. Você sabe disso. Uma pessoa tem que receber muito amor em casa e se tornar muito forte para aguentar morar no ambiente que você criou. E não me venha dizer que são essas pessoas fortes os escolhidos para a salvação. Não me venha dizer que se uma pessoa continua boa mesmo quando tudo ao redor é ruim, ela é o tipo de pessoa que você salva, porque isso continua sendo um MALDITO JOGO! Eu odeio estar aqui na sua presença! Odeio ter passado no seu teste! Você devia nos perguntar primeiro:

“Você gostaria de participar de um teste? Eu vou colocá-lo em um mundo perigoso e maléfico, onde você vai passar por todo tipo de provação e sofrimento... Calma, não se assuste. Há coisas boas nesse mundo. Há comidas que agradam o paladar e prazeres que eriçam a pele, mas há um porém: cada vez que você goza desses prazeres, você perde pontos no seu placar final, e se você chegar ao fim do teste com pontuação negativa, você perde. É quase insuportável passar pelo teste sem gozar dos prazeres que amenizam o sofrimento, mas você vai achar ainda mais cruel o que te aguarda ao final da vida se você não se comportar como eu espero que você se comporte. E, como você deve ter adivinhado, é quase impossível saber qual é o comportamento ideal, pois eu não costumo dar dicas. Alguns homens que foram testados antigamente, escreveram um livro que hoje é mundialmente cultuado como o guia oficial para um placar positivo. Balela, todos esses homens antigos estão sofrendo dores atrozes e eternas por não terem passado no teste. Como? Se você também vai sofrer eternamente se não passar no teste? Sim, vai. Mas a recompensa para quem se sai bem é animadora. O paraíso é um lugar maravilhoso para se viver, muito diferente do local de testes. Os primeiros humanos que eu criei foram direto para esse lugar, mas logo foram expulsos por não me obedecerem. Acho que não se dá valor à tranquilidade sem ter conhecido o tormento. E é por isso que, para viver nesse lugar maravilhoso que eu criei, você tem que passar no teste. O que? Quantos já passaram no teste? Não muitos. Mas eu, que conheço tudo de antemão, sei que até o fim dos tempos haverá cento e quarenta e quatro mil escolhidos. O paraíso não é tão grande assim para sete bilhões, hihi.”

Pronto! Se você quer jogar, tem que convidar um adversário, não obrigá-lo.¹ Quando se ouve um filho gritando para a mãe “Eu não pedi para nascer!” dá para entender o que estou falando. Se você fizesse essa pergunta que eu sugeri para todos os humanos antes de criá-los na Terra, eu aposto que muita, mas muita gente mesmo preferiria continuar sendo água, carbono, amônia, cálcio, fósforo, potássio, magnésio, ferro, silício. Preferiria continuar na natureza como montanha ou vale, ser um rio, fazer parte do oceano, ou talvez ter a sorte de se tornar um lobo ou uma águia, e voar pelo céu, sobrevoando o ambiente onde seus testes são feitos, e talvez pensar, “veja só do que eu me safei”.

Seria muito mais justo.


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