Autor e editor: Jeronimo Freitas
Recentemente um amigo também ateu me perguntou como nós poderíamos fazer uso do ateísmo -se é que poderíamos fazer- para consolar alguém que está aflito. Essa é sem dúvida uma grande questão que eu gostaria de compartilhar com vocês.
Faz pouco tempo uma amiga cristã enviou um e-mail a toda sua lista e também postou no Facebook que seu filho passaria por uma cirurgia delicada para a retirada de um tumor benigno na cabeça. Ela pedia a todos que, independente de suas religiões, orassem para que tudo corresse bem. Como eu, que não creio no poder da oração intervencionista[1], poderia responder a esse pedido? Eu não gosto de mentir pra ninguém e principalmente para meus amigos, pois, para mim, amigos é a maior coleção que alguém pode fazer na vida. Eu também tenho filhos; que já foram operados, e cuja saúde algumas vezes me deixou muito apreensivo. Por isso eu posso perfeitamente imaginar o tipo de aflição que a assolava. Para agradá-la, eu poderia mentir-lhe e dizer que iria orar pelo seu filho e que tudo iria dar certo. Do ponto de vista da amizade eu não perderia nada. Se tudo corresse bem, como de fato correu, ela me agradeceria, por ter-lhe “ajudado” com as minhas orações. Se algo de errado ocorresse, independente de todos terem orado com o mesmo afinco, isso seria atribuído aos mistérios de Deus que tem razões que a apenas a Ele competem. A minha escolha foi a de não enganar minha amiga. Escrevi-lhe dizendo que por ser ateu, não rezo pra nada (eu me sentiria como um doente mental falando com seres imaginários), mas que hoje em dia a ciência pode fazer muito face a esse tipo de situação e que meu desejo, do fundo do coração, era que tudo desse certo. Ela, felizmente entendeu minha posição.
A mesma coisa se dá com o pagamento de promessas e com as superstições (simpatias). Quando eu escuto que alguém vai subir a escadaria da igreja de joelhos, eu me decepsiono com o ser humano. Enquanto homens estudam e desenvolvem tecnologias como a das células tronco, constroem mega-telescópios para visualizar os confins do universo ou criam medicamentos para combater doenças, salvando milhões de vidas, tem gente que crê que o câncer do filho sumiu, porque ele se comprometeu com a santa a dar sopa pros pobres e subir 500 degraus de joelho, morro acima. Como é que alguém acha que vai conquistar o amor do outro, degolando uma galinha e acendendo umas velas numa encruzilhada?
Do ponto de vista do espiritismo um câncer, uma doença ou qualquer outra infelicidade, nada mais é que uma provação. Eu já ouvi muito espírita, mesmo da área médica, dizer que um tumor que se desenvolveu na cabeça de uma criança de nove meses, levando-a a uma sofrida quimioterapia e finalizando por matá-la, serviu para dar muitos ensinamentos. O espírito que encarnou naquela criança, que morreu aos nove meses, veio para cumprir algo que faltava em seu “currículo” evolutivo. O fato de a criança ter tido um câncer e ter passado por todo aquele sofrimento serviu para aferir o grau de evolução dos membros de sua família e das pessoas que de alguma forma se relacionaram com ela. A evolução dessas pessoas progredirá de acordo com a maneira como elas reagiram à prova. Quanto mais resignados e passivos forem as reações, quanto maior for a aceitação desse fato como sendo um teste, mais rápido esse espírito evoluirá. Essa minha mente ateísta realmente não consegue aceitar a idéia de que um Deus que existe desde o início dos tempos, não tenha conseguido bolar outra forma de ensinar as pessoas (os espíritos) que não seja através do sofrimento e da punição. Segundo os espíritas, o espiro de um torturador é um espírito de baixo escalão na linha evolutiva. Suas ações são para causar sofrimento e dor. É essa a sua maneira de interagir com o mundo. O sofrimento alheio lhe apraz. Ora, essa metodologia usada por Deus pra ensinar as mães etíopes a evoluírem, fazendo-as assistir impotentes um filho de três anos definhar até morrer esquelético, de fome, não seria uma tortura infligida por Deus a esses espíritos? Não estaria Deus sendo sarcástico com esses espíritos indefesos? Vale então a pena orar pra um Deus assim, que ensina através do sofrimento e da tortura? Será que Ele mudaria esse método que vem aplicando ao Homem a pelo menos dois milhões de anos, só porque nos oramos? Pensem nisso.
Notem que se oração de fato funcionasse, a vida dos crentes seria obrigatoriamente muito melhor que a dos ateus em todos os pontos. Eles teriam empregos melhores, condições financeiras melhores, saúde melhor, educação melhor, viveriam mais e seriam mais felizes, não se separavam, nada de ruim lhes aconteceria. Se o filho de quem vide orando, respeitando as escrituras, se penitenciando, se resguardando, propagando a palavra e a moral do Senhor tem câncer, era de se esperar que os filhos dos ateus tivessem uma expectativa de vida de, no máximo, cinco anos. Entretanto vemos que foi a medicina moderna e não a oração que fez, na pior das hipóteses, dobrar a expectativa de vida das pessoas nos últimos cem anos. Hoje nos países mais industrializados e de população mais instruída, onde “coincidentemente” o percentual de ateus passa de 30% (França, Holanda, Inglaterra, Áustria, Bélgica, Suécia, Finlândia, Noruega), a expectativa de vida é mais de três vezes maior e a qualidade de vida infinitamente superior que em países esmagadoramente religiosos como Paquistão, Afeganistão, Índia, Irã, Chade, o Kuait, a Arábia Saudita, Senegal, Etiópia, Sudão, Haiti. Se oração funcionasse, isso logicamente não deveria acontecer.
Não há provas que confirmem a veracidade dos ditos milagres -se alguém possui provas, por favor, apresente-as-, sendo assim, ao invés de nós ateus (céticos) nos culpabilisarmos por não sabermos consolar a aflição dos que andam em busca de milagres, devemos trabalhar pra fazermos as pessoas usarem a razão para que elas possam entender melhor como as coisas acontecem. Ajudá-las a racionalizar a analisar fatos de maneira honesta. Eu particularmente, prefiro encarar a verdade dura e crua a fim tentar encontrar uma solução sustentável para as adversidades da vida, que viver iludido por falsas promessas de felicidade e paraíso.
[1] Oração intervencionista é o termo dado à oração que alguém faz para que Deus, as divindades ou os espíritos ajudem a uma outra pessoa e não a si mesmo. Muitas pesquisas cientificas foram feitas sobre isso e concluíam, baseando-se em testes estatísticos, que elas não surtem nenhum efeito. Ao contrário da oração pessoal que consiste, por exemplo, em pedir a Deus que nos dê força, coragem ou sabedoria. Esse segundo tipo pode funcionar, não exatamente por causa da intervenção divina, mas pelo fato do diálogo interno que se trava com o sub-consciente e que age como uma droga no cérebro. Um bom exemplo desse segundo tipo são os mujahideens (combatentes religiosos islâmicos) pedindo coragem para detonar o seu cinturão explosivo.
Fonte: http://livrespensadores.org/artigos/a-dificuldade-do-ateu-em-consolar-os-aflitos
Fonte: http://livrespensadores.org/artigos/a-dificuldade-do-ateu-em-consolar-os-aflitos
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