sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A dificuldade do ateu em consolar os aflitos.


Autor e editor: Jeronimo Freitas
Recentemente um amigo também ateu me perguntou como nós poderíamos fazer uso do ateísmo -se é que poderíamos fazer- para consolar alguém que está aflito. Essa é sem dúvida uma grande questão que eu gostaria de compartilhar com vocês.
Faz pouco tempo uma amiga cristã enviou um e-mail a toda sua lista e também postou no Facebook que seu filho passaria por uma cirurgia delicada para a retirada de um tumor benigno na cabeça. Ela pedia a todos que, independente de suas religiões, orassem para que tudo corresse bem.  Como eu, que não creio no poder da oração intervencionista[1], poderia responder a esse pedido? Eu não gosto de mentir pra ninguém e principalmente para meus amigos, pois, para mim, amigos é a maior coleção que alguém pode fazer na vida. Eu também tenho filhos; que já foram operados, e cuja saúde algumas vezes me deixou muito apreensivo. Por isso eu posso perfeitamente imaginar o tipo de aflição que a assolava. Para agradá-la, eu poderia mentir-lhe e dizer que iria orar pelo seu filho e que tudo iria dar certo. Do ponto de vista da amizade eu não perderia nada. Se tudo corresse bem, como de fato correu, ela me agradeceria, por ter-lhe “ajudado” com as minhas orações. Se algo de errado ocorresse, independente de todos terem orado com o mesmo afinco, isso seria atribuído aos mistérios de Deus que tem razões que a apenas a Ele competem. A minha escolha foi a de não enganar minha amiga. Escrevi-lhe dizendo que por ser ateu, não rezo pra nada (eu me sentiria como um doente mental falando com seres imaginários), mas que hoje em dia a ciência pode fazer muito face a esse tipo de situação e que meu desejo, do fundo do coração, era que tudo desse certo. Ela, felizmente entendeu minha posição.
Se pensarmos bem, até mesmo pela própria ótica cristã, a oração não tem nenhuma utilidade. Afinal, independente da quantidade e da qualidade das orações, tudo vai ocorrer de acordo com os planos de Deus. Ou será que Deus que, segundo os cristãos, é a sapiência máxima e o criador de tudo que existe, permitiria que o Homem, essa criatura imperfeita, imatura e falha, o fizesse mudar de idéia? Isso poria abaixo toda a base filosófica do deus teísta. Segundo a Bíblia cristã, nada acontece que não seja pela vontade de Deus. Por tanto, se alguém tem um câncer, isso aconteceu pela vontade de Deus. Se foi o próprio Deus que quis que alguém tivesse um câncer, se esse câncer só se desenvolveu por Sua vontade (podemos mesmo dizer que ele desenvolveu-se graças a Deus!) e se  Ele, que sabe tudo o que vai acontecer antes mesmo de que aconteça (se não soubesse não seria onisciente), decidiu que aquela pessoa deveria ter um câncer e morrer ou curar-se, de que adianta pedir para que a pessoa fique boa? Se está no plano de Deus, que ela deva ficar boa ela ficará. Do contrário, morrerá. E isso se dará, independentemente do fato de que se ore muito, pouco, não se ore nada ou mesmo se ore contra.
A mesma coisa se dá com o pagamento de promessas e com as superstições (simpatias). Quando eu escuto que alguém vai subir a escadaria da igreja de joelhos, eu me decepsiono com o ser humano. Enquanto homens estudam e desenvolvem tecnologias como a das células tronco, constroem mega-telescópios para visualizar os confins do universo ou criam medicamentos para combater doenças, salvando milhões de vidas, tem gente que crê que o câncer do filho sumiu, porque ele se comprometeu com a santa a dar sopa pros pobres e subir 500 degraus de joelho, morro acima. Como é que alguém acha que vai conquistar o amor do outro, degolando uma galinha e acendendo umas velas numa encruzilhada?
Do ponto de vista do espiritismo um câncer, uma doença ou qualquer outra infelicidade, nada mais é que uma provação. Eu já ouvi muito espírita, mesmo da área médica, dizer que um tumor que se desenvolveu na cabeça de uma criança de nove meses, levando-a a uma sofrida quimioterapia e finalizando por matá-la, serviu para dar muitos ensinamentos. O espírito que encarnou naquela criança, que morreu aos nove meses, veio para cumprir algo que faltava em seu “currículo” evolutivo. O fato de a criança ter tido um câncer e ter passado por todo aquele sofrimento serviu para aferir o grau de evolução dos membros de sua família e das pessoas que de alguma forma se relacionaram com ela. A evolução dessas pessoas progredirá de acordo com a maneira como elas reagiram à prova. Quanto mais resignados e passivos forem as reações, quanto maior for a aceitação desse fato como sendo um teste, mais rápido esse espírito evoluirá. Essa minha mente ateísta realmente não consegue aceitar a idéia de que um Deus que existe desde o início dos tempos, não tenha conseguido bolar outra forma de ensinar as pessoas (os espíritos) que não seja através do sofrimento e da punição. Segundo os espíritas, o espiro de um torturador é um espírito de baixo escalão na linha evolutiva. Suas ações são para causar sofrimento e dor. É essa a sua maneira de interagir com o mundo. O sofrimento alheio lhe apraz.  Ora, essa metodologia usada por Deus pra ensinar as mães etíopes a evoluírem, fazendo-as assistir impotentes um filho de três anos definhar até morrer esquelético, de fome, não seria uma tortura infligida por Deus a esses espíritos? Não estaria Deus sendo sarcástico com esses espíritos indefesos? Vale então a pena orar pra um Deus assim, que ensina através do sofrimento e da tortura? Será que Ele mudaria esse método que vem aplicando ao Homem a pelo menos dois milhões de anos, só porque nos oramos? Pensem nisso.
Como eu não acredito na existência de deuses ou divindades eu me sentiria mal por estar mentindo para uma amiga, que enfrenta uma situação dessas, como me sinto mal agora só de pensar em ter que fingir que acreditaria em algo que, sinceramente, ofende a minha inteligência. Mas o Brasil é um país de longa tradição cristã e esse tipo de crença é aceito como um fato. Eu não estou dizendo que as pessoas que acreditam em Deus, espíritos e orações não sejam inteligentes. Muitos (a maioria que eu conheço) são pessoas de inteligência normal. Eles apenas estão intoxicados pela crença. Elas nunca pararam realmente para pensar sobre isso e aceitam tudo por uma questão de tradição, preferindo viver uma vida de ilusões ao invés de terem de enfrentar a realidade dura e crua. Os cristãos estão cheios de estórias pra contar sobre o poder da oração. É vastamente aceito dentro da cultura brasileira que isso funciona e a maioria das pessoas nunca se quer questionou a sua eficácia. O grande problema é que eles não atinam pra o fato de nunca poderem apresentar evidências que REALMENTE COMPROVEM a eficácia atribuída. O cristão praticante não aceita nem mesmo discutir o assunto e levanta seus escudos frente à ameaça da descrença.
Por isso o cético –pois geralmente ateísmo, na maioria das pessoas, deriva do fato de elas antes serem céticas- não tem muito a oferecer a alguém que está ávido por ser confortado pela ilusão da salvação. Seria pior que dar roupas de presente a uma criança de cinco anos que está louca para ganhar brinquedos. As pessoas que acreditam em superstições ou orações deixam que a emoção sufoque a razão. Num caso como o da minha amiga, embora ela tenha que levar o filho ao médico e chegue mesmo a reconhecer a competência deste em caso de sucesso, a quase totalidade do crédito pelo êxito será dada a Deus, sendo o médico reconhecido como apenas um “instrumento”.  O que então pode um ateu dizer numa hora dessas, sem correr o risco de passar por alguém “desumano”? Pouco, quase nada. Ele pode pedir para que a pessoa tente se acalmar, pra poder raciocinar mais claramente e dizer que a os médicos vão fazer tudo o que estiver ao alcance pra salvar o doente. A impossibilidade que tem o ateu em dar o consolo esperado pelo crente, não é culpa daquele primeiro, mas sim da incapacidade desse último em aceitar que essas coisas possam acontecer a qualquer um e que a é medicina, e não o sobrenatural, que pode curar alguém. O poder maior das religiões e superstições está justamente na demagogia. A maioria das pessoas têm medo de ficar pobre, morrer, perder o emprego ou um ente querido. As religiões os prometem , sem titubear, que vai resolver esses problemas através de mágicas (ou como preferem dizer os crentes, milagres). Pra tudo elas têm solução. Aconteça o que acontecer não se preocupe. “Deus sabe o que faz e você não sabe o que diz.” Isso está impregnado na cabeça da maior parte das pessoas.
Os "milagres" da ciência
Notem que se oração de fato funcionasse, a vida dos crentes seria obrigatoriamente muito melhor que a dos ateus em todos os pontos. Eles teriam empregos melhores, condições financeiras melhores, saúde melhor, educação melhor, viveriam mais e seriam mais felizes, não se separavam, nada de ruim lhes aconteceria. Se o filho de quem vide orando, respeitando as escrituras, se penitenciando, se resguardando, propagando a palavra e a moral do Senhor tem câncer, era de se esperar que os filhos dos ateus tivessem uma expectativa de vida de, no máximo, cinco anos. Entretanto vemos que foi a medicina moderna e não a oração que fez, na pior das hipóteses, dobrar a expectativa de vida das pessoas nos últimos cem anos. Hoje nos países mais industrializados e de população mais instruída, onde “coincidentemente” o percentual de ateus passa de 30% (França, Holanda, Inglaterra, Áustria, Bélgica, Suécia, Finlândia, Noruega), a expectativa de vida é mais de três vezes maior e a qualidade de vida infinitamente superior que em países esmagadoramente religiosos como Paquistão, Afeganistão, Índia, Irã, Chade, o Kuait, a Arábia Saudita, Senegal, Etiópia, Sudão, Haiti. Se oração funcionasse, isso logicamente não deveria acontecer.
Não há provas que confirmem a veracidade dos ditos milagres -se alguém possui provas, por favor, apresente-as-, sendo assim, ao invés de nós ateus (céticos) nos culpabilisarmos por não sabermos consolar a aflição dos que andam em busca de milagres, devemos trabalhar pra fazermos as pessoas usarem a razão para que elas possam entender melhor como as coisas acontecem. Ajudá-las a racionalizar a analisar fatos de maneira honesta. Eu particularmente, prefiro encarar a verdade dura e crua a fim tentar encontrar uma solução sustentável para as adversidades da vida, que viver iludido por falsas promessas de felicidade e paraíso.

[1] Oração intervencionista é o termo dado à oração que alguém faz para que Deus, as divindades ou os espíritos ajudem a uma outra pessoa e não a si mesmo. Muitas pesquisas cientificas foram feitas sobre isso e concluíam, baseando-se em testes estatísticos, que elas não surtem nenhum efeito. Ao contrário da oração pessoal que consiste, por exemplo, em pedir a Deus que nos dê força, coragem ou sabedoria. Esse segundo tipo pode funcionar, não exatamente por causa da intervenção divina, mas pelo fato do diálogo interno que se trava com o sub-consciente e que age como uma droga no cérebro. Um bom exemplo desse segundo tipo são os mujahideens (combatentes religiosos islâmicos) pedindo coragem para detonar o seu cinturão explosivo.
Fonte: http://livrespensadores.org/artigos/a-dificuldade-do-ateu-em-consolar-os-aflitos

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