sexta-feira, 15 de março de 2013

A Noção de Probabilidade Não é Intuitiva


Por Michael Shermer

Tempo aproximado de leitura: 4 a 6 minutos

Graças à tendência de confirmação que nos é inerente, procuramos e encontramos evidências que confirmem o que já acreditamos e ignoramos ou descartamos evidências que contradizem nossas crenças. Lembramos apenas de coincidências extraordinárias e esquecemos o imenso arcabouço de dados insignificantes

Já aconteceu de você se aproximar do telefone para ligar para um amigo, e nesse momento o telefono tocar e ser ele do outro lado da linha? Quais as probabilidades de isso ocorrer? Certamente não são altas, mas a soma de todas as probabilidades equivale a um. Com probabilidades suficientes, casos fora do comum ─ que até parecem “milagres” ─ de vez em quando acontecem.

Vamos definir milagre como um evento que tem uma probabilidade de ocorrer uma vez em um milhão ─ intuitivamente, parece o suficiente para poder ser chamado de milagre. Vamos atribuir um algarismo de um bit por segundo aos dados que passam pelos nossos sentidos no período de um dia ─ e admitir que estamos despertos 12 horas por dia. Recebemos 43.200 bits de dados por dia, ou seja, 1,3 milhões por mês. Mesmo admitindo que 99,9999% dessas unidades são totalmente insignificantes ─ e por isso são filtradas ou totalmente esquecidas por nós ─ ainda restam 1,3 milhões de “milagres” por mês, ou 15,5 milhões de milagres por ano.

Podemos utilizar um cálculo semelhante e aproximado para explicar os sonhos de premonição de morte. As pessoas têm, em média, cinco sonhos por noite, ou seja, 1.825 de sonhos por ano. Se nos lembrarmos apenas de um décimo de nossos sonhos, significa que nos recordamos de 182,5 sonhos por ano. Existem 300 milhões de americanos, que totalizam de 54,7 bilhões de sonhos lembrados por ano.
Os sociólogos afirmam que cada um de nós conhece cerca de 150 pessoas relativamente bem, gerando dessa forma uma rede de relacionamento social de 45 bilhões de conexões pessoais. Com uma taxa anual de mortalidade de 2,4 milhões de americanos, é inevitável que alguns dos 54,7 bilhões de sonhos lembrados sejam sobre alguns desses 2,4 milhões de falecimentos de 300 milhões de americanos e seus 45 bilhões de conexões de relacionamentos. Na verdade, seria um “milagre”, se alguns sonhos de premonição da morte não se tornassem realidade.

Esses exemplos mostram a força do conceito da probabilidade que prevalece sobre nosso senso intuitivo dos números, ou o que chamo de “senso numérico popular”, também presente em meus artigos anteriores sobre “ciência popular” e “medicina popular” e em meu livro sobre “economia popular”. O senso numérico popular se refere à nossa tendência natural de perceber e calcular probabilidades de forma incorreta, de confiar em relatos pessoais e não em dados estatísticos, e de lembrar e prestar atenção em tendências de curto-prazo e séries históricas com poucos números. 

Notamos que as noites no inverso são um pouco mais longas e ignoramos a tendência do aquecimento global de longo prazo. Observamos, apavorados, a recente queda dos mercados de ações e imobiliário esquecendo que a linha de tendências foi ascendente durante mais de 50 anos. Linhas dente de serra, na realidade, são um exemplo do senso numérico popular: nossos sentidos são programados para prestar atenção nas oscilações isoladas e a tendência geral da linha é praticamente invisível para nós.
A razão pela qual a intuição das pessoas percebe esses fatos com tanta freqüência de forma equivocada é que fomos criados num espaço chamado pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins de “mundo do meio” ─ uma terra situada no meio-caminho entre perto e longe, pequeno e grande, lento e rápido, jovem e velho. Por preferência pessoal chamo-a de “terra do meio”. Na terra do meio, em termos de espaço, nossos sentidos evoluíram para perceber objetos de tamanho mediano ─ digamos, entre um grão de areia e cadeias de montanhas. Não estamos preparados para perceber átomos e microrganismos em uma das extremidades da escala, ou galáxias e universos em expansão, na outra. Na terra do meio da velocidade, podemos detectar objetos em movimento tanto com velocidade de caminhada a pé, como aviões, mas o lento movimento dos continentes e das geleiras e a estonteante velocidade da luz nos passam despercebidos. 

A escala do tempo em nossa terra do meio varia entre o “agora” psicológico com duração de três segundos ─ de acordo com o psicólogo Stephen Pinker, da Harvard University ─ e algumas décadas de vida, curta demais para testemunhar processos evolutivos, derivas continentais lentas ou mudanças ambientais de longa-duração. 

O senso numérico do povo da terra do meio nos leva a prestar atenção e a lembrar apenas de tendências de curto-prazo, coincidências significativas e relatos de histórias pessoais. As outras lembranças são esquecidas com mais facilidade.


http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/a_nocao_de_probabilidade_nao_e_intuitiva.html

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